Belo Horizonte recebe, de 2 a 4 de setembro, no Minascentro, o VI Congresso Internacional de Direito Penal e Criminologia, um dos maiores da América Latina, que receberá juristas, professores e pensadores de renome e também palestrantes internacionais como o ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, que ficou famoso ao implementar uma política de “tolerância zero” contra criminosos, o que diminuiu sensivelmente as taxas de criminalidade da cidade. Nesta entrevista ao JORNAL DA CIDADE, Cilas Rosa, organizador do Congresso Internacional, diz que o nosso atual Código Penal está distante da realidade em que vivemos. Confira.
JORNAL DA CIDADE Qual o panorama do Direito Penal no país?
Cilas Rosa O nosso atual Código Penal está em grande parte desatualizado e desconectado da realidade em que vivemos. Precisamos disciplinar novos crimes que há 50 anos n.m existiam como, por exemplo, pedofilia, invasão de privacidade e direitos autorais. O ordenamento jurídico brasileiro complica os magistrados que buscam decisões, mas nem sempre têm como aplicar uma penalização justa. Existem extravagâncias no Código Penal. Uma delas é a de que quem mata um passarinho sofre penas pesadas, sem fiança e com rito processual sumário, enquanto uma pessoa que assassina brutalmente um ser humano tem direito de responder a processo em liberdade, refletindo ainda o poder aquisitivo do réu ou a morosidade no trâmite do processo por burocracia. O novo Código Penal é a ferramenta da sociedade para acabar com a impunidade e diminuir a violência urbana. Em vários países a violência diminuiu em virtude de leis que responsabilizam penalmente quem comete crimes hediondos, independentemente da idade. Quanto mais confuso o Código Penal, mais a sociedade se destrói e quem se acomoda se tornará escravo. O Brasil precisa avançar na direção de uma sociedade estruturada com base nos valores éticos e morais.
O senhor acredita que ainda temos muito que avançar em termos do cumprimento das leis existentes e também promover mudanças em algumas?
Sim, mas isto passa, necessariamente, por uma participação da sociedade como um todo. O povo precisa voltar às ruas, precisa exigir que a lei seja aplicada em sua integralidade, inclusive contra quem exerce o poder, seja quem for. O Direito é dinâmico, ele acompanha a evolução da humanidade. Sempre que se apresenta uma necessidade de disciplina o meio jurídico se movimenta para implementar o arcabouço jurídico preenchendo a lacuna de uma lei. Sabemos que algumas leis estão ultrapassadas e necessitam de atualização. Entretanto, o que realmente precisa, é a pura aplicação das leis existentes. Isto não acontece sem pressão da sociedade.
Como o senhor avalia a atuação das autoridades de segurança pública nas manifestações populares ocorridas no Brasil, em junho?
Creio não podermos analisar a questão somente com foco nas autoridades de segurança pública, pois estas não estão desatreladas do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Devemos antes perguntar: o Legislativo criou leis que atendam às reais demandas da sociedade? O Executivo aplicou os recursos disponíveis onde realmente precisa e de forma correta? O Judiciário julgou e condenou a quem transgrediu as leis? Temos que olhar a questão sob um prisma mais amplo, do conjunto do Estado, como o ente responsável pela coisa pública. As manifestações foram contra todos os poderes constituídos. As autoridades de segurança pública são os executores das ordens de quem exerce o poder. Os protestos se iniciaram com bandeiras específicas como o pedido por melhorias no transporte público, na educação e na saúde. Eles eram apartidários, sem vínculos sindicais ou religiosos, sem qualquer bandeira de segmento organizado. A forma truculenta e desproporcional como a polícia atuou no início dos protestos, e o descaso com que os mandatários do poder trataram o assunto fizeram lançar lenha na fogueira. O que se viu no decorrer dos dias foi uma infinidade de outras pessoas com vontade de também aderir às manifestações. Quem não participou das manifestações em virtude de impedimento por trabalho ou distância tem um anseio reprimido, aguardando um momento para eclodir. Outras manifestações virão, maiores e mais violentas, pois parece que esses mesmos mandatários do poder federal, estadual e municipal já se esqueceram do recado das ruas e continuam fazendo o que sempre fizeram, exercendo o poder com interesses espúrios.
De que forma a corrupção sistêmica atinge os índices de criminalidade no país e como evitá-la?
A corrupção sistêmica acontece quando todos os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – são vítimas do vírus contagiante da corrupção. A corrupção que atinge os poderes no Brasil influencia diretamente os índices de criminalidade. Quando o Legislativo cria uma lei e essa apenas beneficia uma pequena parte da sociedade em detrimento da maioria, estimula um senso comum nas pessoas prejudicadas de que a coisa não está boa. Quando isso vai acontecendo de forma reiterada, fica evidente que tudo concorre para beneficiar poucos e prejudicar a maioria. Quando aparece alguém querendo botar ordem, vem o sistema e o quer sufocar. É o que está acontecendo dentro do Supremo Tribunal Federal, no qual estamos presenciando uma verdadeira guerra para apenas punir quem já foi condenado. Também vemos o Congresso Nacional não querendo expulsar deputados condenados à prisão. Estão procurando uma forma desses se livrarem de suas condenações com medidas protelatórias ou um novo julgamento que os livrem, definitivamente, das condenações. A corrupção não é uma conduta apenas dos mandatários dos poderes públicos, ela está disseminada dentro da sociedade nas práticas mais comuns do nosso dia a dia. Primeiro temos que adotar conduta correta em nossa rotina, seja em relação ao servidor público que exige propina ou nas relações comerciais comuns. Também temos que manifestar nossos descontentamentos aos ocupantes do poder, deixando bem claro que estamos de olho.
O que fazer para que os índices de criminalidade realmente tenham a curva de crescimento interrompida?
Para promover uma redução da criminalidade é preciso garantir a presença do Estado em todos os bolsões de nosso país. A população precisa de regras, claras, que tragam benefícios para o povo, mas que também limitem condutas criminosas. As pessoas têm que perceber que se cometerem crimes o Estado estará presente para alcançar a quem o cometeu, é a sensação de punibilidade – poder coercitivo da lei. Por outro lado, os meios de comunicação devem apregoar os benefícios de uma vida honesta e correta. O que vemos, em muitos programas apelativos e jornalísticos, é uma verdadeira apologia ao crime. Uma escola do crime institucionalizada, dando detalhes de como o criminoso praticou o crime, quanto obteve de lucro, os meios empregados e quais as rotas de fugas utilizadas.